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Corrupção provoca extermínio de prefeitos no Pará
21/02/2018 08:50 em Notícias

Sempre que vai do centro da cidade à zona rural, o prefeito Deusivaldo Silva Pimentel escala um séquito de secretários e vereadores para acompanhá-lo. Sai num comboio de cinco ou seis caminhonetes e vai trocando de veículo ao longo do percurso, de modo a confundir um possível inimigo à espreita.

Assim, em bando, tem a falsa sensação de estar mais seguro. “Daqui a pouco, ele vai precisar contratar um dublê”, disse um correligionário ao lembrar que, vez ou outra, um vereador amedrontado declina do “convite”. “Ou baixar um decreto-lei obrigando todo mundo a ficar de barba, igual a ele”, emendou outro.

Uma gargalhada coletiva toma conta do gabinete, com 11 assessores apinhados numa manhã de janeiro, e dá segundos de trégua ao clima tenso. Desde que se tornou prefeito, Pimentel não sabe o que é ficar sozinho. Nem o que é ter paz.

Pimentel ocupa a desconfortável posição de prefeito de Novo Repartimento, no sudeste do Pará. Está ameaçado de morte – e tem motivos bem concretos para se preocupar.

Em ordem geográca, sua cidade é a sucessora imediata de três municípios cujos prefeitos foram assassinados nos últimos dois anos: Goianésia do Pará, Breu Branco e Tucuruí, distantes não mais que 100 quilômetros entre si. Todos foram executados a tiros, à queima-roupa, dois deles à luz do dia. Um vereador e um secretário foram eliminados nesse período, numa sequência de mortes de políticos inédita na história.

No início, a polícia trabalhou com a hipótese da existência de um consórcio de matadores a serviço de outros políticos. Afinal, a pistolagem sempre foi comum naquele estado. Mas a causa era outra: a corrupção.

As três cidades têm um fator comum que desperta cobiça pela cadeira de prefeito e atiça ataques ao dinheiro público. Numa região marcada pela pobreza, são agraciadas com royalties da hidrelétrica de Tucuruí, a segunda maior do Brasil. O repasse depende de duas variáveis: a área alagada de cada município durante a construção da usina; e a geração anual de energia, que muda conforme o volume das chuvas. O valor vai de R$ 3,8 milhões a R$ 23,1 milhões por ano – e, em alguns casos, representa cerca de um sexto do orçamento da prefeitura.

“São municípios estratégicos do ponto de vista arrecadatório”, afirmou Francisco Charles Teixeira, promotor que investigou dois dos assassinatos. “E a verba dos royalties, por lei, não é vinculada a nenhum fundo, pode ser gasta livremente pelos prefeitos.” A disputa pelo acesso corrupto a esse dinheiro e a abundância de pistoleiros levaram aos três assassinatos dos prefeitos.

Com o maior assentamento agrário da América Latina, numa região conhecida pela pistolagem, Novo Repartimento respira medo. A morte se tornou tão banal que, até pouco tempo atrás, assassinos de aluguel disputavam quem matava mais. A prática do acerto de contas à bala está enraizada. O próprio promotor Francisco Teixeira trabalha com uma pistola na cintura.

“Aqui tem de andar assim”, disse.

O patrulhamento na cidade é ostensivo. Minutos depois da reportagem chegar numa caminhonete branca alugada, uma viatura da Polícia Militar veio em seu encalço e mandou-a encostar. Três policiais desceram com fuzis em posição de tiro. Um veículo igual era suspeito de envolvimento num plano de assalto a banco interceptado pela inteligência da PM.

Os agentes estavam cuidadosos porque dias antes, ao abordar suspeitos, um sargento morreu atingido por tiros disparados por uma mulher com falsa barriga de grávida numa abordagem semelhante.

Prefeito de Novo Repartimento há pouco mais de um ano, Deusivaldo Pimentel, de 44 anos, não terminou o ensino fundamental, trabalhou boa parte da vida na roça e foi motorista da própria prefeitura antes de ser eleito. Pela facilidade de se entrosar, ficou conhecido como Amizade.

Costuma dizer “estou prefeito”, em vez de “sou prefeito”, numa calculada demonstração de simplicidade. Para não perder o apelido, ele se recusa a andar com escolta, como fazem outros gestores da região. “Depois dos acontecidos, alguns sugeriram segurança armada. Mas tenho diculdade de aceitar”, diz Pimentel. “A maior parte das pessoas aqui é humilde. Tenho medo de acharem: ‘Só porque está prefeito cou assim desse jeito’.” Medo maior que da morte é o de perder o eleitorado.

Além de adotar o comboio, Pimentel evita pequenos prazeres, como andar de moto ou ir à feira. Em frente a sua mesa, uma tela gigante de LED transmite imagens dos arredores e do prédio da prefeitura. Tarefas corriqueiras,  como pagar a conta de telefone, ele não arrisca mais. A morte de Pimentel já foi anunciada duas vezes nas redes sociais.

Em agosto passado, seus assessores começaram um burburinho no meio de uma reunião na Secretaria do Meio Ambiente sobre mensagens de WhatsApp que davam conta do assassinato do prefeito. Um policial militar entrou na sala para conferir se o homem estava vivo mesmo. Não foi embora enquanto não fez um selfe com Pimentel para mandar ao comandante. Um mês depois, circulou no Facebook a imagem de um carro preto batido, com o motorista morto. A mensagem sugeria se tratar do prefeito. Por azar, Pimentel passou esse dia todo na estrada, de vila em vila, a caminho de Marabá, sem sinal de celular. Ficou das 10 às 21 horas desconectado, para desespero de parentes, amigos e políticos que telefonavam sem parar. Durante 11 horas, Pimentel esteve morto para eles.

A insegurança levou Pimentel ao hospital. Por ordem médica, ele pediu uma licença e ficou afastado por 60 dias para fazer um checkup. Como não alcança o sono profundo quando dorme – teve 165 apneias, na noite em que foi submetido a um exame –, não consegue descansar. Passa o dia sonolento e anda com uma bolsa cheia de remédios.

“A gente já viu muita gente morrer e ficar refém por ocupar este cargo tão visado”, disse. “Ninguém quer ser o próximo.” Dos cinco assassinatos de políticos, a morte de Jones William, prefeito de Tucuruí, foi a que mais mexeu com Pimentel. Ao longo do mandato, os dois se tornaram próximos. Foram a Belém e a Brasília cobrar de autoridades mais segurança na região. Quatro dias antes do crime, tinham passado a tarde juntos em Marabá e prometeram se visitar.

Os três pistoleiros que assassinaram William foram contratados em Novo Repartimento. Percorreram mais de 70 quilômetros de estrada de terra, margeada pela Floresta Amazônica, já rareada pelo desmatamento, até chegar a Tucuruí. Num cortiço no centro da cidade, cheiraram cocaína e viram a noite passar, à espera do momento certo de agir. O prefeito William passou a manhã seguinte, do dia 25 de julho, rodeado de papéis e visitantes num escritório montado na casa de sua irmã, onde podia despachar com tranquilidade, longe das demandas constantes da prefeitura.

Depois do almoço, William dispensou seu único segurança, um policial militar, porque não pretendia mais sair. Até que, por volta das 15h30, leu uma postagem no Facebook sobre uma operação tapa-buracos na estrada de asfalto carcomido que dá acesso ao aeroporto e decidiu fazer uma visita surpresa. De campana, um dos pistoleiros avisou os outros dois que o alvo havia saído de casa.

Assim que cumprimentou os peões da obra, William percebeu que precisavam de vassouras maiores para limpar os buracos antes de jogar a massa asfáltica. Pediu que seu motorista, àquela altura o único que zelava por sua segurança, fosse comprar. Nem notou quando a moto com os pistoleiros parou perto. Acusado de mais de 30 mortes, Bruno Marcos de Oliveira, de 22 anos, começou a atirar da garupa, disse a polícia.

Deivid Veloso, de 29 anos, disparou ao guidão. Usavam pistolas calibre .40. William levou oito tiros na cabeça e no peito. Morreu minutos depois, aos 42 anos, no hospital. Era seu primeiro mandato. Na eleição de 2012, William amargara uma derrota como candidato pelo PT. Sem o emprego de técnico em enfermagem na prefeitura de Tucuruí, ele e os quatro filhos, de 4 a 18 anos, passaram a depender do salário da mulher, Graciele, funcionária do Banco do Estado do Pará (Banpará). William fez uma série de alianças e acordos para vencer o pleito de 2016, que acabou por custar sua vida, segundo a investigação da polícia. Primeiro, filiou-se ao MDB a convite do presidente estadual do partido, Helder Barbalho, ministro da Integração Nacional – afinal, naquele momento o PT derretia no impeachment de Dilma Rousse e estava ligado à Operação Lava Jato. Depois, William associou-se a políticos e empresários corruptos que cobrariam de volta os favores prestados.

Antes de William entrar para o partido, o pré-candidato do MDB era Artur Brito, que terminou como seu vice. Os investigadores afirmam que Brito e sua mãe, Josenilde Silva Brito, a Josi, recorreram a agiotas para bancar sua campanha, via caixa dois. Depois da vitória, Josi apresentou a conta: o prefeito eleito tinha uma dívida de R$ 2 milhões com o esquema. Deveria saldar o compromisso contratando empresas de fornecimento de combustível, terceirização de pessoal e coleta de lixo ligadas a Josi e aos agiotas.

William consultou a mulher, Graciele, que havia cuidado do caixa na campanha. Pelas contas dela, o débito não passava de R$ 400 mil. O prefeito pagou a dívida diretamente ao primeiro agiota de quem o dinheiro fora tomado emprestado, ignorando os intermediários que, com base em juros altíssimos, chegaram à cifra de R$ 2 milhões.

Também decidiu não contratar empresa alguma ligada a Josi ou ao grupo dela. Cercou-se de antigos aliados petistas e fechou contratos de locação de máquinas com o empresário Alexandre Siqueira, mais ligado a sua turma, o que lhe valeu até uma ação judicial por improbidade administrativa. “Os fatos irritaram e estremeceram a relação entre o prefeito, o vice Artur e a mãe deste, Josi”, disse o relatório final da Polícia Civil

Sobre a investigação.

As primeiras ameaças de morte começaram em março de 2017, quando um amigo de infância procurou o prefeito e disse que um pistoleiro de Altamira havia sido contratado para “amansar um cavalo bravo em Tucuruí”. Depois, um tal Chico  avisar a William que recusara uma oferta de R$ 400 mil de um empresário para matá-lo. Os boatos sugeriam que a encomenda partia do vice-prefeito. William perguntou ao vice-prefeito se ele tinha algo com aquilo; Brito negou, claro. Mesmo depois do crime, Brito e sua mãe continuaram a frequentar a casa de William. “Muita gente falava que não era para acreditar nessa família”, disse Weber da Silva Galvão, irmão de William.

“Mas parece que a gente estava cego.” A família do prefeito só acordou em 30 de outubro, quando a polícia prendeu Josi, mãe do vice-prefeito Artur Brito, acusada de ser a mandante do crime. Ao seguir o rastro dos pistoleiros, os investigadores descobriram que os três tinham sido contratados pelo capataz de uma fazenda do empreiteiro José David. Próximo da família do vice-prefeito, David era dono da Futura Construções e pleiteava erguer casas num terreno em Tucuruí que lhe renderiam um lucro de, pelo menos, R$ 24 milhões. Mas o prefeito Jones William dicultava a autorização necessária para lotear a área. Um dia depois da prisão de um dos pistoleiros, David foi assassinado, num caso de queima de arquivo.

Mas o dono da moto usada no assassinato de William e um dos pistoleiros afirmaram aos investigadores que Josi encomendara a morte do prefeito. Segundo essa versão, o empreiteiro David fora o intermediário.

Assim que William foi assassinado, Brito assumiu a prefeitura, como manda a lei. Em novembro, foi afastado provisoriamente, acusado de superfaturar a contratação de serviços de R$ 2 milhões para R$ 4 milhões. Uma CPI na Câmara de Vereadores tenta a cassação de seu mandato. A polícia só não indiciou Brito na morte de William porque, mesmo na condição de prefeito afastado, ele tem foro privilegiado no Tribunal de Justiça do Pará. Com base nisso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em fevereiro, anular as prisões. Sua mãe, Josi, aguarda o julgamento em liberdade.

Procurado pela reportagem de ÉPOCA, Brito afirmou que ele e sua família são vítimas de uma “grande armação política”. “O prefeito estava envolvido num grande esquema de agiotagem, com muita gente de fora e muito perigosa”, disse Brito. “Temos testemunhas que, na hora certa, vão se manifestar. Ninguém vai botar esse crime nas nossas costas.”

Administrada pelo falecido William ou por Brito, acusado de ser o mandante de sua morte, Tucuruí continua como sempre foi, uma cidade abandonada. “Prefeito morto é o pico da confusão. Junto com prefeitos mortos teve delegado alvejado, procurador da República ameaçado severamente…”, disse o juiz Pedro Enrico de Oliveira, de Breu Branco.

“O que está acontecendo aqui é uma afronta grave ao estado democrático de direito, é uma desgraça.”

Oliveira era o juiz de plantão nos dias dos assassinatos dos três prefeitos. Como boa parte das cidades irrigadas com o dinheiro fácil dos royalties do petróleo no Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia, os municípios do Pará enriquecidos pelas verbas da hidrelétrica de Tucuruí são pobres. Não faltam ruas de terra, postos saúde depauperados, esgoto a céu aberto e escolas em frangalhos. Um dos bairros mais conhecidos de Tucuruí é a Sapolândia, um aglomerado de palafitas erguidas sobre um brejo cheio de esgoto e – para piorar um pouco – habitado por sapos e sucuris.

Essas particularidades fazem da Sapolândia o último reduto de quem não tem onde morar, e, é o esconderijo preferido dos tracantes locais. Afinal, a polícia não se arrisca a perseguir ninguém por onduladas pinguelas de madeira e cair no brejo fedorento e peçonhento.

Nesse cinturão de morte e pobreza, político morre não só por disputar dinheiro sujo, mas até por resistir à corrupção. Diego Kolling, prefeito de Breu Branco, era novato na política. Aos 34 anos, formado em administração de empresas, tinha um frigoríco com 130 funcionários. Com um bom salário e negócios bem-sucedidos, nunca havia pensado em se candidatar. O maior entusiasta de sua iniciação foi seu pai, Egon Kolling, o Alemão, prefeito de Breu Branco por três mandatos e que elegeu todos os seus sucessores. Condenado, não podia mais concorrer devido à Lei da Ficha Limpa. Quando seu nome circulou no topo das pesquisas eleitorais, Diego Kolling colocou a dúvida “nas mãos de Deus”. Evangélico da Igreja Batista Missionária, afirmava ter ouvido um chamado. “Vou mostrar para vocês como trabalhar de forma transparente na política”, dizia.

À revelia do pai, mais inclinado ao PR, Kolling se elegeu pelo PSD. Encontrou na prefeitura um esquema fossilizado de direcionamento de licitações e favorecimentos políticos. De acordo com a investigação de sua morte, foi eliminado porque não seguiu o roteiro traçado. “Diego morreu por ser honesto”, afirmou o promotor Francisco Teixeira. “Ele não tinha dívida com ninguém, fez a campanha com dinheiro próprio.

Inclusive, devolveu dinheiro de empresários que o pai cooptava para ajudar.” Não eram nem 6 horas quando Kolling acordou na manhã de 16 de maio do ano passado. Deixou a mulher, grávida de gêmeos, na cama e levantou para sua rotina diária de exercícios. Alongou-se no quintal de casa, ao lado da piscina, e saiu para andar de bicicleta com dois amigos. Dispensava seguranças. No trajeto de volta, na rodovia PA-263, foi surpreendido pelas costas por um homem que vinha numa motocicleta. Ao ouvirem um forte barulho, os companheiros que iam mais à frente acharam se tratar do estouro de um pneu. Deram meia-volta e viram Kolling no chão. Ainda tiveram tempo de ver o pistoleiro disparando o último de três tiros de um revólver calibre .38 – um deles na cabeça. O assassino de aluguel tinha pelo menos outros três homicídios em sua ficha – do próprio pai, inclusive. Estava sozinho, algo incomum numa região onde pistoleiros costumam agir em dupla.

As investigações apontaram como mandante do crime o empresário Ricardo Pessanha, o Chegado, na ocasião presidente do PSD, partido de Kolling. Pessanha é descrito na denúncia, baseada em dezenas de testemunhas, como alguém “obcecado por dinheiro e poder, que não mede esforços para buscar a satisfação de seus interesses”. Antes de mandar matar Kolling, ele já havia planejado – sem sucesso – o assassinato de outro prefeito, um promotor e um juiz. Em comum, todos atrapalhavam seus negócios ao fazerem cumprir a lei. Pessanha contava com sua influência como presidente do partido para convencer Kolling a favorecê-lo em licitações e nomear pessoas de seu interesse para cargos públicos.

Apostava principalmente em sua proximidade com o então vice-prefeito, Francisco Garcês da Costa. Antes mesmo de Kolling se eleger, Pessanha já havia comprado dez ônibus velhos (a R$ 35 mil cada), de olho na licitação do transporte escolar. Queria não só fraudar o resultado do processo, mas também superfaturar o serviço. Afinal, o dinheiro dos royalties de Tucuruí chega todos os meses e o prefeito pode gastar como quiser. Quando Kolling tomou posse, Pessanha entregou-lhe uma lista com nomes de aliados que deveriam ser convidados para compor o secretariado. Não foi atendido.

A situação fugiu do controle pouco antes da licitação. Ciente de que a quilometragem dos ônibus era adulterada, Kolling pediu a assessores de confiança que, com sua própria caminhonete, refizessem o percurso de alguns ônibus que atendiam as escolas da região.

Descobriu que alguns veículos que recebiam por rodar 120 quilômetros por dia na verdade rodavam apenas 18 quilômetros. No total, 1.245 quilômetros eram superfaturados diariamente – um gasto de R$ 120 mil em vão todos os meses, dinheiro que ia para o bolso de empresários.

Pessanha ficou furioso e passou a reclamar do comportamento de Kolling com o pai dele, seu parceiro de longa data em empreitadas ilegais. “Vai correr sangue! Se ele não me der os contratos da prefeitura, vai correr sangue”, dizia Pessanha, segundo testemunhas. “Teu filho me deve isso, eu ajudei ele a ser prefeito.” Egon Kolling chegou a sugerir ao filho que sentasse para conversar e “ajeitar as coisas” com Pessanha.

Irredutível, Kolling confidenciou a amigos que pretendia renunciar ao cargo. Não teve tempo.

Pessanha e seus comparsas comemoraram o assassinato do prefeito com um churrasco, segundo denúncia do Ministério Público estadual. Entre nacos de carne e goles de cerveja, discutiram também os futuros negócios que a quadrilha conseguiria com o caminho agora livre. Meses depois, Pessanha venceu a licitação do transporte escolar, com uma de suas empresas registradas em nome de laranjas. O processo, entretanto, foi revogado mais tarde. Garcês, hoje prefeito, percebeu que, se favorecesse Pessanha, poderia acabar atrelado à morte de Kolling.

Além de perder o negócio, Pessanha está preso.

Pouco antes de morrer, Kolling estava rindo à toa. Tinha uma boa casa, apartamento em Belém, carros, um negócio bem-sucedido, virara prefeito e, acima de tudo, ia ser pai. A gravidez desejadíssima demorou a acontecer e ocorreu por meio de inseminação articial. Vieram gêmeos, menina e menino. Kolling morreu sem conhecer os filhos.

Apesar do risco na região, os políticos não desistem. Na noite de 12 de janeiro passado, sexta-feira, por volta das 19h30, Flávio Barbosa dos Santos, de 33 anos, tinha acabado de estacionar na frente da casa de um amigo quando dois homens chegaram em uma moto. “E aí, chegado?”, disse um deles – e começaram a disparar. Um dos tiros atingiu Santos, que, mesmo ferido, conseguiu correr dali e pedir ajuda. Dias depois, numa sala isolada do centro médico e vigiado por seguranças armados, Santos tinha uma bala alojada no lado direito do peito, um dreno no tórax e o olhar amedrontado.

Ex-presidente da Câmara de Vereadores de Goianésia do Pará pelo PR, durante 22 dias Santos exerceu o cargo de prefeito após o assassinato do titular, João Gomes da Silva, também do PR, e o afastamento do vice. Mesmo depois de escapar do atentado, insiste em disputar a prefeitura na eleição de 2020. “Medo a gente tem, mas não pode baixar a cabeça”, disse dias depois, já em casa, quase recuperado do atentado. “Se baixar, o inimigo vai montar em cima. Só tenho duas opções: enfrentar ou ir embora.” Evangélico da Assembleia de Deus e crente de que será prefeito é “o propósito de Deus” para sua vida, Santos resolveu ficar.

Na região, o poder parece mais atraente que a vida.  (Revista

Época)

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