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Na região mais úmida do mundo, comunidade vive privação de água potável
20/06/2019 00:34 em Notícias

A Cachoeira do Castanho é uma localidade do município de Iranduba, Região Metropolitana de Manaus, situada a 24 km da capital amazonense. É interligado à Manaus pela ponte sobre o Rio Negro, inaugurada no dia 24 de outubro de 2011, atualmente denominada ponte Phelippe Daou, como homenagem ao famoso jornalista amazonense falecido aos 87 anos, no dia 14 de dezembro de 2016.

 

A reportagem é da equipe de multiplicandos de Iranduba/AM do Processo de Formação Continuada e Multiplicadora do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social.

 

A cachoeira está situada à margem esquerda do Rio Solimões, que ao encontrar-se com o Rio Negro, gera o Rio Amazonas, o maior reservatório de água doce do planeta. Tendo uma queda d’água de cerca de 6 metros de altitude durante os períodos de vazante (agosto, setembro e novembro), o lugar é um espaço bastante concorrido nos meses de forte calor amazônico.

 

Apesar desta situação favorável em termos de disponibilidade de recursos hídricos, o acesso à água potável ainda constitui um direito violado para muitos cidadãos. Atualmente, os moradores utilizam-se de variadas estratégias, visando conseguir a água para beber: poços comunitários, poços particulares, nascentes e o leito do próprio Rio Solimões. A diversidade de estratégias usadas para acessar a água indica a ausência de uma política pública planejada para este setor, evitando que se use formas inadequadas e perigosas para a saúde da população.

 

Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social

 

Ao ausentar-se deste setor, o Estado se omite em relação a este grave problema, abandonando as populações e lançando-as à mercê de seus próprios esforços individuais e coletivos. Neste sentido, o Estado deixa de cumprir uma obrigação estabelecida pela Lei 11.445/2007 e ignora a Organização das Nações Unidas, que reconheceu o direito humano à água e ao saneamento básico, em 28 de julho de 2010. Por incrível que pareça, a falta de saneamento básico nas cidades da Amazônia contribui para ampliar o contingente da população mundial, que não tem acesso à água potável. Assim, 2,1 bilhões de pessoas não têm acesso à água potável (são três entre dez pessoas) e 4,3 bilhões não dispõem de saneamento básico (são seis entre dez). [1]

 

A situação do abastecimento de água e do saneamento básico observadas em Cachoeira do Castanho (Iranduba/AM) confirmam notícias veiculadas nos meios de comunicação, informando que não existe água potável no interior do Estado do Amazonas. [2] Observações e entrevistas realizadas em Cachoeira do Castanho mostram que a intensa atividade turística praticada de forma desordenada contribui para esta situação. Se de um lado, o turismo tem sido fonte de geração de renda para os moradores, de outro lado, esta atividade não tem sido adequadamente orientada, prejudicando o meio ambiente e o devido equilíbrio homem-natureza. São muitas as intervenções predatórias no local: o desmatamento, a má gestão dos resíduos, a privatização de áreas próximas aos igarapés, a pesca predatória e as práticas exploratórias por parte de empresas turísticas, que fazem da natureza uma mera mercadoria, visando a produção de lucros, além de superexplorar o trabalho dos moradores locais.

 

É possível averiguar nestas práticas claras indicações da presença de uma racionalidade técnica, de uma economia de mercado e de uma cultura do descarte. A Encíclica Laudado Si’, do Papa Francisco, mostra o impacto destas condutas humanas na natureza, colocando o planeta e a existência do homem em perigo. Francisco reconhece os bons resultados da técnica, mas alerta a humanidade que o paradigma tecnocrático transforma tudo em objeto manipulável, desrespeitando o valor intrínseco de cada elemento da natureza. O Papa continua ressaltando que a economia tem transformado tudo em mercadoria para atender aos interesses de uma pequena elite econômica, que visa à ampliação constante de seus bens e riquezas. De fato, a atual economia de mercado tem avançado ferozmente sobre os recursos naturais, como a água, transformando-os em commodities cada vez mais valorizadas. Os maiores beneficiários deste processo não têm sido as populações mais pobres, mas os mais ricos, que se enriquecem cada vez mais, se apropriando de bens comuns.

 

A cultura de descarte, identificada pelo Papa Francisco, constitui um dos principais desafios da atualidade, pois trata-se de reproduzir práticas de desrespeito tanto à natureza, como aos seres humanos, que dela participam. Segundo a lógica do descarte, o próprio planeta é transformado em lixo, enquanto os seres humanos são excluídos do sistema social e econômico como coisas sem valor nenhum. Tudo isso impõe uma reflexão sobre a necessidade urgente de repensar os nossos estilos de vida, os valores que nos orientam e a forma de administrar as sociedades, buscando novos paradigmas que estejam em sintonia com a natureza, numa consciência de que tudo está interligado.

 

 

A falta desta consciência socioambiental tem produzido conflitos e mudanças prejudiciais a todos. Informações de atores entrevistados na Cachoeira do Castanho destacam as mudanças do meio ambiente ocorridas nos últimos anos: grande quantidade de lixo dentro e fora dos rios, aumento do desmatamento nas margens dos igarapés, avanço do rio sobre os territórios de moradias (Novo Catalão), reconfiguração dos igapós, danos causados pelo uso de agrotóxicos e até a redução do volume de água da cachoeira. Todas estas novas situações repercutem negativamente nos ciclos naturais do entorno e no cotidiano das pessoas que ali vivem, tendo que se adaptarem às novas condições.

 

Aqueles que têm melhores situações financeiras podem melhor realizar esta adaptação, no entanto, os mais pobres sentem mais dificuldades. O acesso à água, por exemplo, pode ser realizado, por alguns, através da perfuração de poços profundos, mas para outros, resta se submeter aos conflitos e precariedades dos poços comunitários, ou captar a água do próprio rio, sem realizar nenhum tratamento bacteriológico. A omissão do Estado torna esta situação mais dramática, pois os contingentes mais pobres, não tendo condições sociais de superarem estes desafios, vivem no desalento ou esperando que algum dia a vida melhore, por milagre divino.

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