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STF pode tornar o Pará devedor de bilhões de reais a mineradoras; autoridades explicam o caso
11/04/2021 07:42 em Notícias

Embate judicial entre Estados e mineradoras irá decidir futuro da taxa mineral cobrada por Pará, Minas Gerais e Amapá. Se for extinta, além de perder mais de R$ 2 bi em arrecadação por ano, Pará pode ter que devolver cerca de R$ 5 bi às empresas

 

Keila Ferreira (Redação Integrada) e Thiago Vilarins (Sucursal Brasília)

Está com os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) a análise de mais um capítulo do histórico embate entre empresas de mineração e os governos estaduais. Dessa vez, a corte decidirá sobre a manutenção ou extinção das taxas minerais criadas pelos Estados do Pará, Minas Gerais e Amapá, contestada na justiça pelas empresas através da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

 

“Se você colocar uma alíquota média de 10%, você está falando de R$ 8 bilhões. Se for uma alíquota média de 15%, está falando de R$ 12 bilhões, em um ano apenas. E nós deixamos de tributar isso desde 1997" - Helenilson Pontes, advogado tributarista.

 

Pela ordem de julgamento, na quarta-feira (14) seriam avaliadas pelos ministros as taxas de Minas Gerais e Amapá e o encaminhamento terá repercussão também quando do julgamento da taxa paraense. No entanto, o STF adiou o julgamento e ainda não definiu nova data, postergando a expectativa sobre o tema, vital para a a saúde financeira dos Estados. Se o STF derrubar a taxa, além de perder receita, Estado pode ter que devolver os valores cobrados nos últimos dez anos de vigência da taxa, em valores que podem chegar a R$ 5 bi.

 

Somente em 2020, a Taxa de Controle, Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Aproveitamento de Recursos Minerários (TFRM) do Pará arrecadou para os cofres do Estado R$ 540 milhões. Em março deste ano, um decreto do governador Helder Barbalho, do Pará, alterou o cálculo da taxa. Com a mudança, o Pará deve arrecadar mais de R$ 2 bilhões apenas em 2021. Porém, esse fôlego para investimentos depende da decisão do STF.

 

TAXAS MINERAIS

Criadas há dez anos, as taxas minerais representam medidas encontradas pelos estados mineradores para tentar minimizar impactos negativos, entre eles econômicos, sociais e ambientais, gerados pela atividade, que retira muitas riquezas, mas deixa poucos recursos. De acordo com dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), o Pará exportou mais de 14 bilhões de dólares, o correspondente a quase 80 bilhões de reais apenas com extração de minério de ferro.

 

“Se você colocar uma alíquota média de 10%, você está falando de R$ 8 bilhões. Se for uma alíquota média de 15%, está falando de R$ 12 bilhões, em um ano apenas. E nós deixamos de tributar isso desde 1997. Então, o número é estratosférico”, declarou o advogado tributarista Helenilson Pontes, sobre quanto o Estado já perdeu de Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) na mineração, em razão da Lei Kandir, que estabeleceu a desoneração deste tributo de competência estadual sobre as exportações de produtos primários e semielaborados.

 

TRIBUTOS

Helenilson foi vice-governador do Pará e participou do processo de criação da taxa, durante o governo de Simão Jatene. “Quando um paraense aciona um interruptor da sua casa, ele paga 25% de ICMS. Quando um paraense vai até a farmácia, comprar um medicamento, ele está pagando 17% de ICMS. Quando uma mineradora extrai minério de ferro, cobre, níquel ou bauxita, coloca num trem, num navio ou exporta, não paga um centavo sequer de ICMS. Então, esse tipo de coisa tem que ser dito e compreendido pelo Supremo Tribunal Federal e pelas pessoas. O que a taxa está cobrando é apenas, hoje, em torno de 0,5% daquilo que as empresas faturam com essa exportação. Com o aumento do governador Helder, isso vai para alguma coisa em torno de 1,2%. Se fosse ICMS, nós estávamos falando de uma alíquota na casa de 17%. Então, não é excessivo o que o Estado do Pará está cobrando”, afirma.

 

De acordo com Helenilson Pontes, caso o STF decida pela extinção das taxas minerais, o Pará terá duplo prejuízo: além de não ganhar mais capacidade de investimentos públicos, o Pará também enfrenta risco de ter que devolver em torno de R$ 5 bilhões que as mineradoras pagaram durante os últimos dez anos.

 

“A taxa é um mecanismo fundamental para que o Estado possa ter políticas públicas eficientes, especialmente nas regiões mineradoras. O Pará investiu – e aí entra saúde, educação, transporte, infraestrutura – cerca de R$ 1,2 bilhão. Então, nós temos, de taxa mineral, praticamente a metade de tudo o que o estado investiu, e com o aumento recente que o governador fez na taxa, nós vamos para mais de R$ 2 bilhões de reais por ano de taxa mineral, ou seja, nós vamos dobrar a nossa capacidade de investimento público. Isso é algo extremamente importante na recuperação da capacidade de investimento do estado”.

 

Para Helenilson, a taxa mineral não pode ser encarada como um tributo cuja contrapartida seja apenas um serviço de fiscalização. “Esta é a tese das empresas. Esse raciocínio não se aplica, porque nós não estamos diante de uma taxa de serviço público, mas de poder de polícia, ou seja, é uma taxa que habilita o estado a fazer face às despesas especiais que foram geradas por aquele contribuinte”, declarou. “As grandes mineradoras, quando se instalam, são fontes de geração de despesa pública, porque quando entram numa cidade, exigem que o estado entre com saúde, com educação, com transporte, com segurança, eles são fontes de imigração de pessoas, de criação de cidades, e o estado tem que vir atrás criando infraestrutura de serviço público. Já que elas estão lá, criando uma despesa especial, têm que custear essa despesa”, avalia.

 

AVALIAÇÃO

O procurador-geral do Estado, Ricardo Sefer, reforça que as despesas estão absolutamente harmônicas com a magnitude da cobrança que é feita às mineradoras, não só na fiscalização, como na compensação daquilo que as atividades da mineração trazem para o estado do Pará. “Pela situação das nossas estradas, sistema de saúde, enfim, todos aqueles serviços públicos que são de responsabilidade do poder público e precisam ser ampliados, redimensionados, em razão da atividade minerária. Nós temos um grande aparato fiscalizatório, para bem ordenar e conseguir com que a atividade minerária traga também impactos positivos para a população paraense. Nós já damos uma grande contribuição à balança comercial do Brasil, com grandes exportações que são desoneradas e tudo o que o estado do Pará quer é o mínimo de compensação para que a mineração também possa melhorar a vida dos paraenses”.

 

DECISÃO SOBRE TAXA DE MG DEVERÁ VALER TAMBÉM AO PARÁ

Segundo Sefer, o Governo tem acompanhado com muita atenção a discussão judicial que envolve a taxa de Minas Gerais, que deve ser a primeira julgada. “Estamos atuando em conjunto para demonstrar que a atividade minerária deixa muito pouco aos estados produtores, onde estão localizadas as reservas minerais. O Pará tem a maior reserva mineral do mundo, na qual grande parte da produção da maior mineradora brasileira, que é Vale, mantém suas atividades, e muito pouco deixa para a população do Pará, seja pela desoneração das exportações desses minérios, seja pelo fato deles não serem beneficiados aqui. O que nós pretendemos demonstrar ao Supremo Tribunal Federal é que a taxa minerária é uma forma de compensar alguns dos prejuízos, alguns dos impactos econômicos, sociais e ambientais que são causados pela mineração aqui no Estado”, afirma.

 

O procurador lembra que a Vale fez, recentemente, um acordo com Minas Gerais em que se comprometeu a pagar quase R$ 40 bilhões, em prol do Estado. “Todo esse dinheiro, você pode ter certeza que vai sair do minério que está aqui, no Estado do Pará. Somos nós que vamos bancar a dívida que a Vale, por exemplo, tem com outros estados, com outras pessoas, e o que nós queremos é o mínimo de compensação para as pessoas. Queremos que os interesses econômicos dessa multinacional poderosíssima, estejam em harmonia com os interesses do estado do Pará. Nós não temos absolutamente nada contra a empresa, pelo contrário, temos boas relações com todos aqueles que constroem a empresa, mas entendemos sim que a empresa deixa muito pouco à sociedade do Estado do Pará, quando comparado especialmente com o lucro e com a exploração que aqui auferem”, afirma.

 

REAJUSTE DA TAXA

Sobre o reajuste na taxa mineral, em março deste ano, Ricardo Sefer diz que é inadequado dizer que houve um aumento. Segundo ele, quando foi criada no governo anterior, já previa-se um valor de 3 Unidades de Padrão Fiscal (UPF-PA) por tonelada. Esse valor foi reduzido pelo governo anterior. “O que nós acabamos foi com esse benefício fiscal que a Vale tinha e retornamos ao valor originário previsto em lei. Então, não houve aumento, o que houve foi uma recomposição do valor que a Lei sempre previu, que o governo anterior reduziu como um benefício fiscal. Nós entendemos que o momento que o estado vive, do ponto de vista da pandemia e do ponto de vista fiscal e econômico, não permite dar benefício fiscal a uma das maiores mineradoras do mundo, que tem lucro bilionário e tem possibilidade de pagar R$ 40 bilhões ao estado de Minas. Nós queremos que um pouco dessa compensação também beneficie a sociedade paraense e aos paraenses que vivem aqui”, argumenta. Atualmente, a UPF-PA está cotada em R$ 3,7292.

 

Ricardo Sefer ressalta que o Governo do Pará está em grande batalha em prol dos interesses da sociedade paraense. “É um julgamento entre o interesse puramente econômico, de uma grande mineradora, que gostaria de ver seus lucros aumentados, e o interesse da sociedade paraense que espera ver da mineração também um instrumento de progresso social, de avanço econômico, de democratização dos benefícios. É disso que se cuida a taxa minerária e nós esperamos que o Supremo Tribunal Federal esteja ao lado da população do estado do Pará e não dos interesses econômicos de uma multinacional”.

 

GOVERNO DO ESTADO

 

 

Conforme avalia o governador do Estado, Helder Barbalho, a taxa minerária é um instrumento fundamental para a economia estadual, já que o Pará tem por vocação a mineração. "Como todos sabem, esta é uma atividade isenta de ICMS, o que acaba por prejudicar a capacidade de arrecadação do estado. E se encontrou através da taxa minerária a perspectiva de ter este recurso como um instrumento que permita ao estado a fiscalização, a recomposição dos danos ambientais e também a garantia de receita para que o estado tenha a capacidade de fazer enfrentamento às suas responsabilidades constitucionais", diz.

 

Ainda segundo Helder, estes recursos podem ajudar o Pará a ofertar aos seus habitantes desenvolvimento, garantir geração e emprego e também  assegurar saúde, educação, segurança e oportunidades que possam fazer o estado crescer e se desenvolver. "Nós acreditamos que o STF terá toda a sensibilidade para compreender a importância da taxa minerária para que o estado possa ter o seu equilíbrio financeiro e condições de ser um estado forte, desenvolvido e que leve qualidade de vida à nossa população", aponta. 

 

A Vale disse que não ia comentar sobre o assunto. 

 

CNI CONTESTA TAXAS MINERAIS

A Confederação Nacional da Indústria (CNI), autora das ações que contestam as taxas minerais do Pará, Minas Gerais e Amapá no STF considera as cobranças como um "verdadeiro imposto mascarado de taxa". Para a entidade, que representa as empresas, as taxas podem gerar um risco de "efeito multiplicador" na busca de arrecadação significativa pelos Estados, “cuja restituição enfrentará todos os conhecidos percalços”.

 

Procurada, a CNI encaminhou nota para a reportagem de O LIBERAL, onde afirma que os Estados não teriam competência para “legislar sobre recursos minerários, sobre os quais não têm titularidade, assim como não têm poder de polícia capaz de autorizar a criação de taxa de fiscalização dessa atividade”, diz a nota. A CNI ainda afirma que “as leis atacadas acabaram por criar verdadeiro imposto mascarado de taxa, gerando incidências que, na forma de imposto (ICMS), não poderiam ser geradas sem violar as regras relativas à exoneração das exportações, alíquotas nas operações interestaduais, não cumulatividade e não discriminação", salienta a entidade. 

 

Tramitação – As três ações da CNI contra as taxas minerais aguardam julgamento pelo STF. Duas delas, ADI 4785 (Minas Gerais) e ADI 4787 (Amapá), estavam na pauta de julgamento desta semana, mas foram excluídas pelo presidente da Corte, ministro Luiz Fux. A definição para ambas cria precedente para a ADI 4786, que discute a taxa mineral do Pará, que não estava na pauta devido à troca de relatores - passou do ministro Celso de Mello, que se aposentou no fim do ano passado, para o ministro que o substituiu, Kássio Nunes  Marques, que alegou pouco tempo para preparar a defesa.  Ainda não há uma nova data para os julgamentos.

 

Parlamentares do Pará defendem manutenção da taxa minerária

O senador Zequinha Marinho (PSC), líder da bancada do Pará no Senado, contesta a alegação da CNI de que os governos estaduais não teriam competência para legislar sobre matéria de recursos minerais. 

 

"Na primeira apreciação, pelo ministro Edson Fachin, no ano passado, e que vários ministros seguiram o seu voto, o entendimento foi de que o Estado tem sim competência para legislar, criando taxas de controle, monitoramento e fiscalização das atividades de pesquisa, lavra, exploração e aproveitamento de recursos minerais. E nós temos certeza que este raciocínio está correto. Os empreendimentos acontecem dentro do Estado e ele pode e deve acompanhar isso de perto, fiscalizando e disciplinando procedimentos. Portanto, vamos torcer para que tudo dê certo e a gente não tenha este prejuízo, que para nós seria um grande problema para a gestão do Estado", disse o senador, destacando, em seguida, o tamanho do rombo bilionário que este prejuízo vai provocar nos cofres do Pará.

 

"A nossa Lei aqui, a 7.591, começou a valer em abril de 2012, e nos garante uma arrecadação anual, com média de R$ 500 milhões. Nestes nove anos, pelo menos, R$ 4,5 bilhões, tem ajudado o governo, o povo, a ter mais educação, mais saúde, mais segurança... enfim, tem dado condições de viabilidade para o governo do Estado trabalhar", completou.

 

Vice-líder do Governo na Câmara Federal, o deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA), disse que analisa a polêmica na votação da taxa mineral no Supremo Tribunal Federal por dois parâmetros. "Primeiro, não sei, objetivamente, qual foi o motivo que levou o governador do Estado do Pará  a romper com a Companhia Vale, que vinha em um acordo nestes dois primeiros anos. A Vale pagava um terço daquilo que poderia pagar de taxa mineral. Agora, a Vale dizer que isso prejudica a empresa, aí já é demais. Eu só queria lembrar que a Vale teve um lucro no ano passado, com todas as dificuldades de R$ 26,7 bilhões. E esse acréscimo que o governador faz na taxa mineral, aumenta em R$ 1 bilhão. Ou seja, para quem teve um lucro de R$ 26,7 bilhões, pagar mais R$ 1 bilhão apenas para o Estado do Pará, de onde tira a maioria das suas riquezas, para que a gente possa, com essa taxa mineral, muito bem defendida pelo Dr. Helenilson Pontes, fazer com que o Estado possa dar garantias de segurança, saúde, educação, trafegabilidade na região dessas minas. Por isso, eu acho uma discussão útil, porém muito difícil, porque a Vale é forte e vai tentar derrubar isso no STF", disse.

 

Fonte: O Liberal

 

 

 

 

 

 

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