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TFD: pacientes do Pará relatam a rotina de consultas e exames longe de casa
11/06/2023 23:35 em Notícias

Casa de apoio de Goianésia do Pará, em Belém 

 

Além dos pacientes que se deslocam para fora do estado para o TFD, há um fluxo ainda mais intenso de deslocamento dentro do Pará, entre os municípios

 

 

Por Camila Guimarães / Tay Maquioro / Patrícia Baía

O direito à saúde, determinado pelo art. 196 da Constituição brasileira, não é uma realidade homogênea no Brasil, uma vez que muitas pessoas precisam sair da sua cidade para buscar tratamento em outros lugares.

 

É o caso de pacientes do programa Tratamento Fora do Domicílio (TFD), do Ministério da Saúde (MS). Atualmente, 430 paraenses saem do estado para consultas e exames especializados pelo Brasil, conforme dados da Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa).

 

Dentro do Pará, o fluxo dos que se deslocam dos interiores em busca de tratamento na capital é ainda mais intenso.

 

É a realidade da casa de apoio de Goianésia do Pará, município do sudeste do estado, que funciona no bairro do Marco, em Belém. O local é ponto de acolhimento de 200 a 500 pessoas por mês. Uma dessas usuárias é a técnica em enfermagem Ana Cláudia Pereira Sobrinho, 44, diagnosticada com fibromialgia. Ela já depende da casa há 4 anos.

Ana Cláudia Pereira Sobrinho

Ana Cláudia Pereira SobrinhoAna Cláudia Pereira Sobrinho 

Eu vim com meu pai, na primeira vez, e a gente foi muito acolhido, graças a Deus. Meu pai estava com câncer no pulmão, ele nem chegou a terminar a quimioterapia. Faleceu com 10 meses de tratamento. Aqui foi o lugar onde eu encontrei abrigo, fora do meu município. Quando eu vim para cá, eu não conhecia Belém, nem sabia por onde começar. Foi na casa de apoio onde eu encontrei todo o suporte que eu necessitava”, relata.

 

Ana Cláudia chegou a passar três meses ininterruptos na casa de apoio quando acompanhava o pai. Hoje em dia, ela vem a Belém a cada seis meses. “Eu faço tratamento com reumatologista. Lá no meu município eu consigo passar com clínico geral e, às vezes, com cardiologista, quando tem. Lá é pouco especialista que a gente encontra. A maioria é aqui. Não tem para onde correr”.

 

Outra pessoa cadastrada no TDF é Ebenário de Souza Menezes, 59, que trata câncer de laringe no Hospital Ophir Loyola. Ele é acompanhado pela irmã Anália de Souza Menezes, de 66 anos, natural de Buriticupu, no Maranhão. Devido às limitações de saúde, a reportagem não pôde conversar diretamente com Ebenário, mas Anália detalhou a história dos dois.

Ebenário de Souza e Anália de Souza

Ebenário de Souza e Anália de SouzaEbenário de Souza e Anália de Souza 

O meu irmão mora há uns 18 anos em Goianésia. Quando ele adoeceu, ele não nos comunicou. Num belo dia, uma assistente social me liga e pergunta se eu conhecia ele. Aí ela me avisou que ele estava precisando muito de um acompanhante. (...) Com a ajuda da assistente social de lá, ele conseguiu consultas no Ophir Loyola. Quando cheguei aqui, fui muito bem recebida”.

 

São cerca de 8 horas de viagem de Goianésia para Belém e o tratamento de Ebenário exige que ele fique vários dias na capital paraense. Atualmente, faltam oito sessões de radioterapia para concluir a atual etapa do tratamento. “Sem esse apoio aqui, a gente não conseguiria. Já imaginou se a gente tivesse que ficar em um hotel? Não teria como”, diz Anália em reconhecimento à importância do TFD e da casa de apoio.

 

Recursos do TFD são revertidos para a casa de apoio de Goianésia

O principal objetivo do TFD é oferecer uma ajuda de custo aos pacientes e, em alguns casos, também ao acompanhante, limitada ao período de tratamento e aos recursos orçamentários existentes em cada município.

 

Os valores são estipulados em uma tabela, descrita na Portaria nº 2.488, de 2 de outubro de 2007. No documento, o valor pago para deslocamento de paciente por transporte terrestre (a cada 50 km) é de R$ 4,95 e para alimentação é de R$ 8,40.

 

Em alguns casos, os acompanhantes também recebem valores semelhantes. As quantias variam também de acordo com o meio de transporte (fluvial ou aéreo) e se haverá ou não necessidade de pernoite.

 

O valor oferecido, em geral, não supre as necessidades dos pacientes, conforme atesta Alessandra Botelho, assistente social que gerencia a casa de apoio de Goianésia do Pará, em Belém.

Assistente social Alessandra Botelho

Assistente social Alessandra BotelhoAssistente social Alessandra Botelho

O valor do TFD por pessoa, hoje, gira em torno de 15 reais, mas seria um valor irrisório para pagar esse transporte e estadia. Por isso, em Goianésia, o valor não é pago diretamente ao paciente, mas é revertido no pagamento do aluguel da casa em Belém,na alimentação que a gente pede por mês e no transporte feito pelo município. Ainda assim, muitas vezes não é suficiente”.

 

Para dar conta de receber os pacientes, Alessandra diz que conta com o apoio de doações espontâneas, parceiros e com a participação em programas de assistência, como o Mesa Brasil, do Serviço Social do Comércio (Sesc). Além disso, como o local é uma iniciativa municipal não prevista em Lei, a servidora comenta sobre um temor de todos que dependem do local:

 

Eu gostaria muito que a casa de apoio virasse lei, que poderia entrar gestão, sair gestão, mas a casa de apoio continuaria. Acaba que, quando chega o período eleitoral, a gente fica receoso, sem saber se a casa vai permanecer, se um novo prefeito entrar”, lamenta. “Eu gostaria muito que alguém dissesse 'vamos tirar verba de tal lugar e fazer com que todos os municípios tenham uma casa de apoio', porque só quem vive sabe como é difícil”.

 

A casa de apoio de Goianésia funciona na travessa Perebebuí, nº 2185, e necessita, constantemente, de doações de alimentos, roupas, calçados, brinquedos, materiais de higiene e outros itens que possam promover mais conforto aos pacientes em trânsito. “São pessoas carentes de tudo”, comenta Alessandra. É possível entrar em contato para ajudar indo até o local ou pelo número (91) 99317-6210.

 

TDF pela Prefeitura de Belém

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), atualmente são contabilizados 417 processos de TFD ativos em Belém.

 

Os pacientes assistidos pelo TFD Belém, viajam para os seguintes hospitais:

 

Rede de Hospitais Sarah – Brasilia e São Luiz

Hospital Into – Rio de Janeiro

HC São Paulo e Ribeirão Preto

Hospital Messejana - Fortaleza / CE

Hospital Wlater Cantidio – Fortaleza / CE

Hospital Geral – Fortaleza / CE

Instituto de Cardiologia SP e Brasilia

Santa Casa São Paulo e Porto Alegre

Hospital Rio Grande – Natal / RN

AACD – São Paulo

Hospital Samaritano – São Paulo

Hospital Dante Pazzanese – São Paulo

HRAC Centrinho – Bauru / SP 

 

Segundo a Sesma, as principais necessidades de tratamento são: transplante de medula óssea, transplante hepático, cirurgias ortópedicas, transplante cardíaco, reabilitação neurológica, transplante de córnea, implante coclear  transplante renal infantil, cirurgias buco-maxilo e oncologia pediátrica.

 

O que é preciso fazer para uma pessoa ter acesso ao TFD? 

A Sesma também explicou que pacientes usuários do SUS devem ser atendidos pelos hospitais de Referência da sua patologia, após esgotadas as possibilidades de tratamento no município de origem. O médico deve preencher laudos TFD e CERAC, solicitando o TFD (Tratamento Fora Domicilio).

 

Pacientes usuários SUS devem procurar o TFD / SESMA / Belém, munidos dos laudos devidamente preenchidos pelo médico, documentos pessoais e exames que comprovem a necessidade do tratamento solicitado.

 

"Vale ressaltar que pacientes só serão atendidos pelo programa se comprovada a indisponibilidade de atendimento na rede SUS local.", frisou a Sesma.

 

Castanhal

Em Castanhal, nordeste do estado, 945 pacientes são atendidos pelo programa TFD, de acordo com dados da Coordenadoria de Regulação Controle, Avaliação e Auditoria da Secretaria Municipal de Saúde. Os casos tratados fora do município e até do estado são de neoplasia maligna do reto, da mama, autismo infantil, doença renal em estado final e lúpus.

 

A assistente social, Vanderleia Oliveira, responsável pela regulação do TFD em Castanhal explica que os atendimentos em Belém se concentram no Hospital Ophir Loyola, Centro Integrado de Inclusão e Reabilitação (CIIR), hospital Gaspar Vianna, Santa Casa, Barros Barreto.

 

Na capital são nos principais hospitais de referência e fora do Pará temos pacientes fazendo tratamento em Fortaleza, São Paulo, Rio Grande do Norte, São Luís, Recife e Brasília. Para o traslado são disponibilizadas duas vans que são locadas e destinadas exclusivamente para o transporte de pacientes cadastrado no TFD - Castanhal à Belém, e passagens aérea e rodoviária para fora do estado”, disse.

 

Rosilene Socorro da Silva Galeno, de 62 anos, há cinco anos faz parte do programa TFD. Ela trata câncer de mama no Hospital Ophir Loyola e já passou por todas fases, como a quimioterapia, mastectomia e radioterapia. Atualmente ela faz acompanhamento com especialistas e vai de duas vezes a três vezes ao mês em Belém.

Rosilene Galeno

Rosilene GalenoRosilene Galeno 

Os motoristas são muito atenciosos com a gente. Eles nos apanham na porta de casa e nos deixam na porta do hospital. Se não fosse o TFD meu transporte até Belém teria que ser todo custeado por mim. O TFD ajuda muito e nem todos os pacientes tem condições financeiras”, contou.

 

Já o tratamento da pequena Giovana Roberta Oliveira dos Santos, de 11 anos é feito em São Paulo, no hospital universiário federal. A menina trata a doença de Chonh desde 2016, que é uma inflamação séria do trato gastrointestinal. Sua mãe e acompanhante, a cabeleireira Joice Oliveira, explica que as viagens até a capital paulista são feitas de cinco em cinco meses.

Joice e Giovana Oliveira

Joice e Giovana OliveiraJoice e Giovana Oliveira

Logo no começo íamos de dois em dois meses, mas agora de cinco em cinco e o TFD ajuda muito. Recebemos as passagens e a ajuda de custo e ficamos por até sete dias realizando as consultas e exames. Ela passa pelo imunologista, reumatologista e gastropediatra. O TFD é muito importante para o tratamento da Giovana”, explicou a mãe.

 

Marabá

Em 2016, o assistente administrativo Clebson Milhomes, de 37 anos, levou um susto ao ser informado no trabalho que havia algum problema com o filho que sua esposa esperava. O casal, que vive em Parauapebas, sudeste do Estado, descobriu apenas no nascimento que a cabeça da criança não tinha a circunferência normal para um recém-nascido. “É até meio bizarro porque minha esposa fez todos os pré-natais, certinho, mas não fez o exame morfológico. Porque esse não obrigatório fazer na época e a médica não chegou a pedir”, relembra Clebson.

 

Sem um diagnóstico fechado, a família ouviu do médico que o formato achatado da cabeça de Miguel poderia ser um indicativo que faltava uma parte do cérebro da criança e deu apenas 24 horas de vida para o garoto. “Ainda assim, o médico disse que aguardaria esse prazo até para esperar alguma evolução dele. Colocaram o Miguel no CTI do hospital, para acompanhamento, mas eram muitas incertezas. Nesse momento, a gente tentava não criar muita expectativa”, conta o pai.

 

O diagnóstico de microcefalia viria apenas com cerca de 30 dias, quando os pais resolveram Miguel para uma avaliação médica em Goiânia (GO).

 

De volta à Parauapebas, as barreiras para encontrar tratamento para o garoto foram muitas, desde a falta de profissionais especializados até o pouco auxílio oferecido pelo município. “Demos entrada no pedido do TFD. A gente levava toda a documentação para a secretaria de saúde e, depois da aprovação, a gente ia lá buscar as passagens e só um acompanhante podia viajar com ele”, detalha o assistente administrativo.

A viagem era de ônibus até Belém e a ajuda de custo era de R$75 para os dois, naquela época, em 2015. Esse recurso seria para custear hospedagem, alimentação e deslocamento na capital. Mas na última viagem, a diária mais barata que encontramos custava R$60”.

 

Atualmente, o tratamento de Miguel é todo realizado pelo plano de saúde da empresa onde Clebson trabalha. Pelo menos a cada seis meses, o garoto, hoje com sete anos de idade, viaja de avião para Belo Horizonte para ter o atendimento especializado e trocar a sonda que usa para alimentação. Ele também recebe em casa o acompanhamento de fonoaudiólogo, fisioterapeuta e assistente social. Graças a toda essa rede de atenção, Miguel está matriculado na rede municipal de ensino, estudante em uma sala regular.

 

Quem tem acesso ao TFD

Usuários atendidos na rede pública, conveniada ou contratada do SUS; Referenciados para serviços especializados de média e alta complexidade, depois de esgotados todos os recursos de diagnóstico e/ou tratamento disponíveis no município, Região de Saúde ou no Estado de origem; Com deslocamentos para tratamento, com distância superior a 50 km via terrestre, mais de 27 milhas náuticas em transporte fluvial, ou 200 milhas para transporte aéreo percorrido.

 

Fluxo do TFD

A partir do atendimento médico inicial é proposto o tipo de tratamento a ser realizado, expedida guia de referência pelo médico assistente, a unidade de atendimento (UBS/hospital) encaminhará para o setor de Regulação local que pesquisará na rede a existência do serviço/procedimento para assim proceder ao agendamento da consulta no local mais próximo da residência do paciente, iniciando a rotina do TFD.

 

Mais detalhes aqui.

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