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Parauapebas: Justiça suspende decreto municipal que flexibilizava medidas contra a Covid-19
17/03/2021 22:01 em Notícias

O Promotor de Justiça Fabiano Oliveira Gomes Fernandes, propôs Ação Civil Pública com Pedido Liminar de Tutela de Urgência em desfavor do município de Parauapebas com o propósito de anular o Decreto Municipal Nº 1.076, de 12 de março deste ano, 2021, que flexibiliza várias medidas impostas no Decreto Estadual Nº 800, atualizado no dia 15 de março de 2021, que revoga o Decreto Estadual nº 729, de 05 de maio de 2020, e o Decreto Estadual nº 777, de 23 de maio de 2020. 

Nesta quarta-feira (17), o juiz Lauro Fontes Junior acatou o pedido do Ministério Público do Estado do Pará e acabou suspendendo parte do decreto municipal de número 1.076/2021, assinado pelo prefeito Darci Lermen (MDB) e agora, as regras que visam diminuir os novos casos de Covid-19 na “Capital do Minério” são as adotadas pelo decreto assinado pelo Governador do Pará, Helder Barbalho (MDB).

 

Confira o que diz a decisão assinada pelo juiz Lauro Fontes Junior:

 

Autos n. 0802141-37.2021.8.14.0040
Autor: Ministério Público.
Réu: Município de Parauapebas, com sede no Morro dos Ventos s/n, cidade de Parauapebas.
Intimação de terceiros: Darci José Lermen, lotado no Morro dos Ventos s/n, Cidade de Parauapebas/Pa; PGE – Procuradoria Geral do Estado, com sede na Rua dos Tamoios, 1.671 (Padre Eutíquio e Apinagés) – Batista Campos –
Belém – PA Telefone: (91) 3225-0811 / 0777 Fax: (91) 3241-2828

 

DECISÃO
Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Pará em desfavor do Município de Parauapebas/PA. Em síntese, alega o autor que, inobstante a atual classificação vermelha conferida pelo Decreto Estadual n. 800/2020, cujo efeito prático cingiu-se em tornar mais rígidas as medidas de isolamento social, o Prefeito municipal de Parauapebas, momentos depois, mediante a expedição do Decreto 1.076/21, “flexibilizou” tais regras de proteção sanitária localmente. Como a atuação do gestor local, consubstanciada em ato administrativo local, tem elevado potencial de repercutir na capacidade da resposta médicohospitalar, foi requerida a concessão de tutela de urgência para sobrestar a eficácia do Decreto n. 1.076/2021.

 

É o relatório. Decido.


Embora não pairem dúvidas de que o exercício da competência executiva, no que toca às medidas sanitárias, seja comum aos entes federativos, não significa que estaríamos diante de uma discricionariedade ilimitada e irrefletida, sobretudo quando hábil a patrocinar desencontros estratégicos entre os entes que buscaram a mesma autorização fática para agir diante da contingência sanitária gerada pelo SARS-Cov-II.

 

No intuito de harmonizar essa circunstância, ou seja, a existência de uma contrariedade entre as medidas administrativas – Estadual e municipal -, editadas para solucionar o mesmo problema sanitário, à partida, esclareço que os contornos do ato administrativo contido no Decreto municipal n. 1.076/21 são nulos.

 

Explico. Como se sabe, a organização do sistema de regulação e oferta de leitos no Estado do Pará – leia-se SISREG –, tem como gestor central e operacional órgãos da Administração Pública estadual. Essa centralização tem uma razão de ser. Afinal, ao se permitir que um único órgão colete informações e, de sua consolidação e organização, passe a administrar racionalmente a distribuição de leitos, gera-se uma estruturação eficiente que consegue trazer máxima eficiência operativa às informações altamente qualificadas que se localizam nos diversos e atomizados plexos do sistema de saúde. Em outras palavras, consegue-se, mesmo no cenário de criticidade elevada, promover algo que se aproxime de uma equânime distribuição de leitos de UTI.

 

Com essa lógica de funcionamento, deve-se compreender que a quantidade de leitos ofertadas por esse sistema calibra-se, e tem relação direta e imediata, com o índice de contaminação da população. Assim, na relação do binômio oferta dos leitos e a taxa de contaminação da COVID-19, a única alternativa para minimizar o stress da estrutura, trazendo-a para níveis de mínima operabilidade, se faz pelo controle deste último elemento.

 

Nesse aspecto, não é despropositado afirmar que a diretriz que teria animado o Decreto estadual foi aquela que buscou equacionar a racionalização dos insumos estatais diante dos cenários de escassez, tudo com o objeto de “distensionar” o nível de stress que o sistema de saúde regional se vê jogado.
Com a devida vênia, tal como elaborado, o Decreto municipal trouxe consigo elevado potencial para desregular o funcionamento eficiente desse sistema; já que ao refletir apenas localmente, desconsidera as demais partes que compõem essa ferramenta de gestão.

 

Na prática, os indicadores de gestão não deixaram de confirmar essa suspeição. Vejamos. O índice de ocupação de leitos públicos no município de Parauapebas, na data do dia 16.03.2020, apenas 04 dias da edição do Decreto municipal, chegou ao patamar de 100% de ocupação [1] . Como sinalizado, um viés evolutivo anunciado e inescapável à gestão pública municipal, já que no dia 15.03.2021 esse índice perfazia 93%, o que só confirmou esse ritmo crescente, já que na data da edição do Decreto municipal tal referência era de 73%.

 

Voltemos sobre a lógica de organização desse sistema.
Como a gestão dessa ferramenta de equalização da oferta de leitos de UTI é acertadamente centralizada, permitir que os diversos municípios do Estado, cada qual portador de um singular e diminuto espectro das informações que particularizam o sistema de saúde, venham, mesmo à mingua de uma perspectiva sistêmica, desautorizar, bloquear ou “flexibilizar” os efeitos das medidas restritivas veiculadas pelo Governo de Estado, como se os atos administrativos fossem dotados de uma variante da ab-rogação legal, seria senão permitir, ao cabo, que essa lógica de organização e eficiência da estrutura, marcas operativas do SISREG, pudessem ser afastadas. No limite, se todos os municípios consorciassem com esse propósito num único instante, não há dúvidas de que haveria um derretimento dessa estrutura funcional do sistema de saúde; restando, tão só, desencontros de toda sorte.

 

Somente o Estado, pelo menos neste aspecto bem peculiar do conteúdo material dos atos administrativos sanitários, é que deteria a iniciativa para afrouxar as medidas estratégicas no que toca à restrição das atividades em curso. Como dito, induvidoso que a lógica de administração dos riscos e o controle da escassez que justificaram o desenvolvimento da ferramenta do SISREG perderia sentido em leituras como as ora exercidas pelo Poder Executivo local. O que não impede que o município enrijeça tais medidas, diante do cenário de agravamento local.

 

Além do mais, vislumbro que no caso concreto existem indícios razoáveis de que o Decreto municipal teria sido animando para satisfazer grupos de interesses.
Explico. Tendo sua edição aos 12.03.2021, então materializada em pleno curso ascendente dos casos de contaminação no município de Parauapebas, não haveria justificação técnica que pudesse legitimar o afrouxamento das medidas sanitárias, ao contrário. Afinal, com a crescente taxa de ocupação dos leitos locais, em tese, o perfil de proteção municipal deveria ter sido o de recrudescer, ainda que pontual e excepcionalmente, aquilo que já fora objeto do Decreto estadual, única leitura legítima de modulação que poderia ser buscada na cláusula
constitucional contida no artigo 30 da CF/88.

 

Conveniente, nessa etapa da ratio decidendi, demonstrar a evolução dessa criticidade local, cujos dados foram extraídos da plataforma do e-gov local, senão vejamos: O fato é que indo na contramão das medidas de proteção reclamadas empiricamente, como reforço adicional às medidas planificadas pelo Governo do Estado, parece-nos que ao se fazer ouvidos moucos a esses cenários, estes sim, prospectáveis pelas informações locais, vislumbres do fenômeno do desvio de finalidade passaram a ser captados. De fato, foi revelador observar que o artigo 5º do Decreto municipal veio a ampliar, por mero ato administrativo, e Data Número de novos casos de contaminação pelo SARSCov-2:


01.03.2021:114
02.03.2021: 121
03.03.2021: Não informado
04.03.2021: 142
05.03.2021: 149
06.03.2021: 153
07.03.2021: 158
08.03.2021: 165
09.03.2021: 152
10.03.2021: Não informado.
11.03.2021: 164
12.03.2021: 183
13.03.2021: 176
14.03.2021: 195
15.03.2021: 227

 

Desprovido de qualquer supedâneo jurídico e de estudo de viabilidade que pudesse equalizar o desenvolvimento econômico diante do cenário de contingência sanitária, o rol das atividades essenciais instituídas pela Lei federal n. 13.979/20. Isso porque elevou a esse status as academias de ginástica, situação que teria ocorrido apenas 02 dias depois de uma grande manifestação do setor junto à Prefeitura municipal [2] .

 

De qualquer forma, que fique bem claro que, pela dogmática jurídica, o Decreto 800/2020, já que inexiste ab-rogação ou derrogação entre atos administrativos expedidos por entes federativos distintos, jamais perdeu seus efeitos locais. Desde sua vigência foi, e ainda é, cogente e regulamentador das condutas dos servidores estaduais lotados na cidade de Parauapebas.

 

Assim, identificado, prima facie, o fenômeno do desvio de finalidade, inidoneidade na motivação e usurpação de competência material do referido Decreto municipal, com base no princípio da precaução, havendo perigo de dano irreparável à população, DECIDO:

 

A) CONCEDO a tutela de urgência requerida e suspendo os efeitos dos artigos 1º, 2º, 4º e 5º do Decreto municipal n. 1.076/21, devendo o gestor municipal ser pessoalmente intimado da presente decisão, a fim de reorientar, de imediato, suas ações de política sanitária, as quais, doravante, deverão seguir os parâmetros fixados pelo Decreto estadual n. 800/2020.

 

B) No prazo de 72 horas, contados da ciência pelo gestor municipal, deverá este comprovar nos autos ter adotado todas as medidas necessárias para garantir a plena eficácia do Decreto estadual.

 

C) Com a finalidade de conceder efetiva operacionalidade à presente decisão, intime-se o Governo do Estado Pará, na pessoa do Procurador Geral do Estado, para que adote as medidas que entender suficiente para repercutir a decisão judicial junto aos órgãos estatais situados no município de Parauapebas, sendo-lhe facultado interver no feito na qualidade de amicus curie, ônus que deverá ser exercido no prazo de 15 dias.

 

D) Cite o réu para contestar o feito no prazo legal.

 

E) Deixo de fixar audiência de mediação, vez que o tema não comporta transação.

 

CUMPRA-SE, COM URGÊNCIA, INCLUSIVE NO HORÁRIO DO PLANTO (ORDINÁRIO OU EXTRAORDINÁRIO), SERVINDO A PRESENTE DECISÃO COMO
MANDADO/OFÍCIO/PRECATÓRIA/CARTA.

Parauapebas, 17 de março de 2021

 

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