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Vendedores ambulantes, diaristas, artesãos...o risco de empobrecê-los ainda mais
14/04/2020 07:18 em Notícias

A reportagem é de Bénédicte Manier, publicada por Alternatives Économiques, 09-04-2020. A tradução é de André Langer.

Reclusão e teletrabalho são privilégios fora do alcance de 60% das pessoas ativas do planeta que, nos países em desenvolvimento e emergentes, vivem de ocupações precárias da economia informal. Para esses 2 bilhões de trabalhadores, o coronavírus constitui uma catástrofe, quer continuem a trabalhar – correndo o risco de serem contaminados – ou parem, o que os priva de seus meios de vida e os joga nas estradas, como aconteceu recentemente na Índia e no continente africano.

Em escala global, a epidemia de Covid-19 já aumentou acentuadamente as desigualdades entre os setores formal e informal. Em um relatório divulgado na quinta-feira, a ONG Oxfam, que pede ajuda direta e a anulação de dívidas, estima que mais meio bilhão de pessoas possa cair na pobreza.

Até 85,8% dos trabalhadores estão no setor informal na África, mais de 68% na Ásia, Pacífico e Estados Árabes, 40% nas Américas e 25% na Europa e Ásia Central, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Vendedores ambulantes, diaristas da construção civil, entregadores, artesãos, adeleiros e recicladores, lavadeiros, vigilantes, faxineiros, barbeiros de rua... Para alimentar suas famílias, eles trabalham oito a doze horas por dia em ofícios caracterizados pelo contato com pessoas que, hoje, os expõem à contaminação.

Quase 90% das pessoas que trabalham

Na Índia, por exemplo, essas ocupações representam 82,7% da população ativa, a exemplo dos milhões de trabalhadores que perambulam pelas ruas desde cedo do dia: sabzi wallahs (comerciantes itinerantes de legumes), riquixás wallahs (triciclos de tração humana) ou dhobi wallahs, que coletam roupas de porta em porta. Seu total chega até a 90% da população ativa neste país, se incluirmos a agricultura, com dezenas de milhões de camponeses sem terra e nômades sazonais.

Qualquer que seja o continente, eles são ainda mais vulneráveis quando vivem em áreas densamente povoadas (favelas, bairros desfavorecidos), onde os pontos de água são insuficientes para garantir a higiene diante do vírus e onde “o distanciamento social” é impossível. Nos países africanos que adotaram medidas de reclusão (Marrocos, Tunísia, Nigéria, Ruanda...) ou de restrição de deslocamentos (Madagascar, Costa do Marfim, Burkina Faso, Uganda, Níger, Senegal, Quênia...), a economia das metrópoles urbanas já desacelerou fortemente, privando a maioria desses trabalhadores de renda.

Para escapar da fome, milhões deles tentaram retornar à sua aldeia de origem, na esperança de viver ali com a solidariedade familiar. Um êxodo contínuo encheu, assim, as estradas de vários países africanos durante vários dias. O mesmo fenômeno ocorre na Índia, onde esses trabalhadores privados de atividades deixaram aos milhares as megacidades confinadas. Depois que os últimos trens e ônibus foram tomados de assalto, a maioria teve que caminhar a pé para sua região de origem, andando centenas de quilômetros, muitas vezes sem comida e água. Aqueles que não puderam deixar as cidades são obrigados a mendigar.

Que ajuda?

Em escala global, que será dessas centenas de milhões de trabalhadores sem recursos? Alguns países anunciaram programas de ajuda: Ruanda e Uganda já estão distribuindo gêneros alimentícios, a Colômbia liberou 111 milhões de euros em subsídios e ajuda alimentar para vendedores ambulantes e trabalhadores carentes, e o Brasil, que dispõe de programas sociais, também pagará subsídios a vendedores ambulantes, desempregados e moradores de rua.

O mesmo acontece na Índia, onde o governo planeja pagar 20 bilhões de euros em ajuda alimentar aos mais pobres nas próximas semanas, montante já criticado por 635 acadêmicos e líderes de ONGs, que estimam que esse valor deve ser pelo menos o dobro para evitar um empobrecimento dramático.

Em outras partes do mundo, em muitas cidades africanas, sul-americanas e asiáticas, os trabalhadores do setor informal não têm outra escolha senão continuar a trabalhar, imaginando o que suas famílias farão se adoecerem. Especialmente porque não têm nenhuma proteção social e as estruturas de saúde de seus países carecem drasticamente dos meios para conter a epidemia.

A pandemia acentua, assim, a divisão entre as precauções tomadas pelos países industrializados e um mundo em desenvolvimento ou emergente que não possui os meios para isso. E dentro deste último, ela acelera as desigualdades entre as classes médias confinadas e esses trabalhadores das ruas, que são mais expostos e já brutalmente empobrecidos. Ao infligir ao setor informal uma tríplice crise – sanitária, social e humanitária –, o coronavírus inevitavelmente aumentará a pobreza no mundo.

A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) estima as necessidades apenas dos países em desenvolvimento em pelo menos 2,3 trilhões de euros para enfrentar a crise e pede a anulação de suas dívidas no montante de 910 bilhões de euros este ano. O Banco Mundial acaba de liberar uma ajuda urgente de 1,75 bilhão de euros para fortalecer o sistema de saúde de 25 deles (Camboja, Haiti, Iêmen...) e mobilizará mais de 148 bilhões de euros nos próximos quinze meses para ajudar 40 desses países a apoiar suas populações pobres.

O G20 prometeu apoio financeiro “sólido”, que deve ser definido até o dia 15 de abril com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Espera-se que essa ajuda seja suficiente, porque o choque sanitário e econômico anuncia-se grave para as economias dos países em desenvolvimento, que podem não se recuperar.

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